A voz e as emoções

Foi e continua a ser uma questão fundamental no meu trabalho, quer como formador, quer como artista
Muitas vezes sou confrontado com a questão terapêutica, e até que ponto o trabalho vocal possa ou não representar uma forma de terapia. Não é que eu tenha propriamente uma resposta clara e concisa, mas na minha opinião tudo depende da forma ou intenção com que é apresentado e guiado e criada a ligação entre a voz e as emoções
São inúmeras as pessoas que tenho ajudado ao longo do meu trajecto, quer nas aulas de canto, Roy Hart ou voz falada, nas mais diversas patologias e dificuldades. A minha experiência clinica , a nível hospitalar e em estúdio, permitiu-me perceber que existem muitas questões na voz que vão muito além da parte anatómica, fisiológica e acústica tanto a nível do canto como na voz falada.
Os meus estudos em psicoterapia, permitiram-me aprofundar muitas questões, e aperceber-me de muitas outras que não me eram visíveis. Que estado de presença e consciência devo eu ter quando estou em frente a um cliente, pois este simples acto (que não é assim tão simples) por si só já gera muitas questões. O campo relacional e o estado de presença, é algo que me fascina e na minha opinião, é nesse campo onde tudo se opera e transforma.
Quantas vezes já fomos ver um espectáculo com alta produção sonora e visual e que nem por isso nos moveu emocionalmente, e acabamos por não levar nada para casa. Outras vezes, em produções mais simples, ficamos com as emoções à flor da pele e durante meses levamo-lo no nosso coração sentindo bem a ligação entre a voz e as emoções.
Quantos cantores já ouvimos, extremamente afinados, com uma postura e tessitura vocal imensa, mas que não transmitem emoção, que não nos tocam, que não nos dão vontade de ouvir mais. Somos nós que não estamos abertos a ouvi-lo inteiramente? É o cantor que não está ligado emocionalmente ao que está a cantar, e por isso não transmite qualquer sentimento? Ou ambas as coisas?
Como posso ajudar um cantor ou um orador a transmitir mais sentimento na sua voz e a criar uma maior ligação entre a voz e as emoções?
Existem inúmeras propostas de exercícios de interpretação, de criar mais ligação ao texto de sentir e incorporar mais as palavras e o seu sentido, mas serão realmente estas propostas suficientes para este objectivo? Como posso ajudar alguém a sentir, se eu próprio não estiver aberto a sentir, e quando digo sentir, falo das sensações sentidas no corpo, momento a momento e o seu reflexo no campo emocional e relacional. Um estado de presença mais expandido e encorporado pode ser uma forma mais autentica de sentirmos e de nos relacionarmos com nós próprios , com os outros, com os seres e com as coisas... consciência... Requer muito treino, preserverança e resiliência mas o seu reflexo é imediato, e no meu sentir, é precisamente a partir daqui que se define a abordagem clinica ou artística.
Continuarei a abordar esta questão no próximo post
Saudações vocais,
João Charepe
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